terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Anticristo (Antichrist)



Assistir esse filme é confrontar com a própria natureza. Tornar-se testemunha de um fato que sentia bem fudido, mas tinha medo de expressar. Assistir esse filme talvez não possa voltar atrás. Como é pomposo e egoísta Sr Von Trier, também é um virtuoso cineasta e uma pessoa extremamente inteligente (e estranhamente desequilibrada como qualquer gênio, o milagre aconteceu e a toque de magia que consiste não em fazer um filme redondo, porque não é, mas sim uma obra de moralidade ambígua e bem calçada com botas de pantaneiro pronta para desferir um pontapé nas bolas daqueles que não estão dispostos a assistir, porque isso é muito fácil, pensar no filme é o difícil.


E não acho o filme mais transgressor e ofensivo do dinamarquês, por mais que estejam falando isso, apenas o filme levanta uma questão espinhosa para determinados segmentos do publico, que poderiam condená-lo como misógino e o farão. É sem duvida uma maioridade do cineasta e uma das mais belas fotografias que vi em minha vida. O prólogo em si, é uma obra-prima que forja o perfeito equilíbrio da narrativa, tom, cor, musica ambientação e apresentação formal.

De qualquer maneira Lars, como não quer seus personagens, faz o que quer com eles, e isso porque este acostumado a trabalhar com algum dos atores mais corajosos e dedicados, essa mistura acaba parindo uma monstruosidade de indescritível beleza, dolorosa e sincera. E o que é isto? Talvez seja um dos mais profundos mergulhos que foram praticados em busca da origem da maldade humana. E essa maldade, geneticamente e filosoficamente, nasce da mãe, como todo ser vivo como tudo nesse mundo que possa ser limitado a natureza.

Logo após a tragédia, o marido se converte no terapeuta de sua mulher sem ser solicitado, levando-a para sua cabana na floresta para que ela possa enfrentar seus medos, resultantes de uma dor de luto patológico. Sua dor, aparentemente é comum e aceita a morte do bebê com firmeza. O conceito do filme reside em que a mulher traumatizada considera a natureza “a igreja de Satanás”, algo perverso e cruel. E se a natureza é ruim, ruim será sua matriz, seu útero, e, portanto, o feminino.

O corpo feminino não é regido pela mulher, é governada pela natureza, a natureza utiliza cores e aromas para ser fecundada. Na mulher, essa arma de dois gumes é seu corpo e seu próprio sexo. Por isso, parece que depois da morte do seu filho, ela tem medo da natureza e passa a se odiar. Durante uma grande parte do filme nos faz crer que ela tem medo da natureza, mas finalmente compreendemos que é a natureza que repele ela, talvez por ter mostrado a verdadeira face.

De fato, como sabemos justo no momento que tudo esta cheio de sangue, desde o ultimo verão, que seria o ultimo de seu bebê, ela começou a mutilar e espancar os animais (três mendigos) e mudar a posição dos sapatos do filho. Para modificar a natureza, para criar um limbo antinatural e combater (ou entregar) essa dureza, a violência inerente da floresta. Talvez como um ritual satânico, para convencer-se de suas próprias crenças, alimentadas por leituras desagradáveis, como prova irrefutável de qualquer tese que possa ser discutida e defendida.

Mas quando ele descobre tudo flui numa onda de ‘gore’ mais ou menos explicitar que desemboca para o pior dos resultados. ‘Uma mulher quando chora, esta tramando algo’, diz a impressionante e estranhamente bela entre as feias, Charllote Gainsbourg. Ela permitiu a morte do filho, ela utilizou o marido pra morrer, ela acaba tendo toda a razão, apensar que seu marido não a considerava tão inteligente e chamou sua tese de simplista. Eventualmente, o marido se torna um assassino, e descobre que os sintomas que ele diagnosticou como ansiedade são os sintomas de uma fúria assassina. Ele queria que ela fosse preenchida pelo verde, que fazia parte da natureza, porque ele próprio era.

E a natureza, por fim, acaba sendo cruel como ela previu. Acaba sendo a única assassina real, porque mostra a sobrevivência como assassinato. Porque as tabelas normais de tristeza não existem, é uma infâmia a constatação comprovada de que se pode suportar a morte de um filho. Em um momento, ela diz que quer morrer também, mas ele não deixa...

Existe algo mais prático realista, doloroso e cruel que esse ato?

O paradoxo é que, se todos nós aceitarmos a face cruel e malvada da natureza, porque parece tão demoníaco o antinatural?

No epilogo, todas as mulheres agredidas pelos homens que as consideravam bruxas, sobem para a montanha, liberadas por seu salvador. A floresta esta cheia de braços e de pele, não há distinção entre a natureza humana e a natureza verde.

Por fim entendemos que o mal é ruim, tanto aqui como lá fora.

Nota 10

Um comentário:

O Cara da Locadora disse...

Excelente análise... Muito boa memso... Parabéns...