sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Ninfomaníaca (Nynphomaniac)

No começo de “Funny Games”, uma família de classe alta volta para sua casa entre campos verdes, operas e jogos até que a harmonia é quebrada e a música muda para advertirmos que tudo se transformará em um amargo pesadelo. No caso de “Ninfomaníaca” também acontece algo assim. Não existe musica celestial, somente sons da rotina de um bairro. No entanto, estes simples ruídos desaparecem igual que no jogo musical do filme de Haneke, para entrar à música de Rammstein. Em ambas as obras entramos numa atmosferas de dilemas, duvidas e descobrimentos em que o espectador é forçado a participar ou abandonar a sala. Nem Lars Von Trier, nem Michael Haneke permitirá que ninguém permaneça indiferente. A partir daí segue uma série de diálogos absolutamente fascinantes que nos vão mostrando os medos e obsessões do autor. Destacando um dos dialogo, o que incide sobre Edgar Allan Poe. Igual que ao outro gênio da literatura de horror, H. P. Lovecraft, Poe desenvolve todo um universo baseado no mais profundo medo do ser humano. A herança e a influência dos antepassados no nosso comportamento futuro pode ser visto em quase todas as histórias de ambos autores e, por isso, é tão notável que o tempo em que Lars Von Trier fala do escritor tem a ver com os últimos dias que Joe passa com seu pai moribundo. Os poucos laços que unem uma pessoa além do desejo parecem desaparecer. Apesar de tudo, pouco a pouco veremos que Joe é capaz de criar novas relações cujo resultado em muitos casos ainda é uma incógnita. A personagem Joe jovem tem algo da prostituta que nos apresentou François Ozon em “Jovem e Bela”. Como ela, Joe avança por um caminho de autodescoberta que se deve definir entre seus limites e os tabus externos. No caso de “Ninfomaníaca” a história vai um pouco mais longe, já que o descobrimento se une ao julgamento moral de uma Joe envelhecia e no fundo do poço que recorda sua juventude. Se em “Jovem e Bela” o encontro final com a mulher de um dos seus clientes era o único ponto de vista adulto onde podemos ver ou imaginar os pensamentos futuros de Isabelle (a protagonista), na obra de Lars é a própria Joe que mostra sua visão com respeito ao passado. Nas interpretações não se pode mais que elogiar, em absoluto, todo o elenco do filme. Stellan Skarsgård, colaborador regular de Lars mantém a ambiguidade entre conservador e voyeur. Uma Thurman e Christian Slater, sem dúvida, com suas melhores interpretações nos últimos anos e Shia LaBeouf ignora, por fim, seu eterno papel de herói impoluto de Hollywood. Por último o duo Gainsbourg – Martin, onde reside a força e a credibilidade do filme, é impecável. Os personagens femininos de Lars mostram uma aparente debilidade, em ocasiões por questões físicas (como em Dançando no Escuro), psicológicas (Anticristo), morais/religiosas (Ondas do Destino) ou pelo simples desamparo (Dogville). No entanto, sob suas carências sobrevivem forças muito mais relevantes que apresentam como reflexões do realizador dinamarquês. Neste sentido, “Ninfomaníaca” não só mantem seu trabalho com os personagens femininos mas também inclui os jogos simbólicos que experimentou em sua comédia “O Grande Chefe” e a reflexão política citada em “Europa”, sobre o futuro moral da humanidade.

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