terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

O Lutador (The Wrestler)


O triunfo da integridade pessoal sobre a adversidade dentro dos labirintos da existência.
Darren Aronofsky é um dos maiores em transcender suas imagens nos seus filmes em geral, se não for em todas, são na maioria que compõe as mesmas. Nesse caso, Darren transcende o lixo, o abandono, a decadência, a brutalidade e com certeza, a carne. Esse diretor de texturas se concentra em reviver a carne, em fazer bela a sua laceração e monstruosa em sua grandeza, instrumento que fornece informações e depois nos priva colocando-a numa prisão onde talvez não seriamos capaz de alcançar, carne untada de cérebro que reverdece o efêmero do seu apogeu e nos faz ser testemunha de sua decadência.. Mais uma vez o homem/artista quer ser especial e tem talento para isso. Algo talvez que importe somente ele num nível fundamental (como qualquer realização pessoal) que qualquer pessoa que o cerca e satisfaz somente um instante, uma lágrima salpicada de sangue para jogar como um insulto voraz na cara de pessoas que na vida não tem nada de especial. Mas, para ele, porem, é sua vida. Sua vida é tudo, porque é o único que sabe viver e isso lhe torna especial ou a única que lhe faz sentir que pode ser especial. Mas quando isso que te faz sentir especial explode diante dos seus olhos e te absorve se converte em tudo o que é realmente... E cedo ou tarde abandona sua filha, abandona o amor, abandona sua saúde e abandona a si mesmo para seguir consumindo a droga de talento que Deus lhe deu. Aqui não importa o raciocínio. Darren fala sobre dois mundos bem diferenciados em seus filmes: o das drogas e decadência, as conveniências da rua e do mundo do espetáculo, suficientemente longe da intelectualidade como tão próxima da sabedoria do movimento e por outro lado os gênios matemáticos. No primeiro grupo (Réquiem e agora Wrestler) buscam ser especiais a partir das suas virtudes, errando em suas decisões e jogando tudo a perder, mas com o horizonte sempre em mente, negando o que são e buscando o que querem ser. No segundo grupo estão aqueles que com suas complexas virtudes e dotes mentais impedem saber quem é ou o que fazem aqui, ate que chega a redenção em seus finais prodigiosos. De tal forma, Darren os coloca na mesma tessitura de ter que afrontar seus equívocos e afrontar seu destino, que sempre será esquivo, independente do estado social ou intelectual.
Pode conter SPOILERS

“The Wrestler” é colossal em abordar o pressuposto do que essa pessoa resulta ser, o encontro íntimo do seu próprio ‘eu’. Consequentemente esse caminho difícil o levara à um final antológico no qual, longe de se arrepender no caminho, se alegra de poder morrer sendo o que é, sem se trair, sem curva-se diante as pessoas, sempre lutando. De fato, no final sentimos que eram necessárias as lagrimas de sua filha e a ausência da ultima cena da stripper preferida. É necessário o abando porque o artista é incompreendido, o lutador é malvado. A pessoa é solitária e merece essa solidão, mas ainda vai alem e deseja essa solidão, o triunfo entre os aplausos finais de um público fervoroso, entre a multidão sem nome, sem alma e sem memória que é sua família. E Darren não consegue plenamente em todo filme, portanto precisa dessas cenas raivosamente suadas, ensangüentadas e gloriosamente realistas filmadas prodigiosamente nas cenas de luta livre. Nelas, o caráter hercúleo desse monte de carne maltratado entra de cheio na antologia de imagens icônicas e fundamentais da sétima arte e o lutador se faz eterno, alcançando essa sobre humanidade que lhe faz ser especial. Pobre, grotescamente deformado, louco, aborrecido, descontente, mal amado, respeitado e eterno. É aqui onde entra o ator que da vida ao fantoche que não poderia ser outro que não Mickey Rourke em umas das melhores interpretações jamais vistas no cine. O Touro Selvagem do século 21 que literalmente come o filme. Talvez por isso Darren não precisasse recorrer a essa montagem elétrica, nem essas tomadas no ritmo de tecno. Porque com sua câmera seguindo o eterno travelling do corpo ágil e ao mesmo tempo desvirtuado de Rourke lhe bastava para fazer uma obra de arte e transmitir tudo que a historia necessitava. Uma historia que ao contrario da típica narração scorcesiana, não fala da ascensão e decadência do herói, mas somente de sua caída na barbárie imunda e a elegância de sua áspera carne mutilada, quebrada, machucada e renascida.Do final que paradoxalmente é seu principio e seu tudo. Não faz falta a outra metade nada mais que para os créditos de abertura, porque o êxito esta no final, justo nesse ultimo sorriso antes do inevitável e acolhedor salto ante o abismo e posterior fundo negro. Nosso anti-herói, um dos maiores de todos os tempos, obteve justo o que estava buscando.
Nota 9

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Deixe Ela Entrar (Let The Right One In)





Peça-me para falar sobre o primeiro amor, os corações infantis desorientado, cheios de neve e de tristeza, o primeiro beijo e a solidão. Os sofrimentos dos filhos de famílias desestruturadas, daqueles que não encontram seu lugar no mundo e são desprezados e assediados dia trás dia pelos que os rodeiam. Aqueles tempos de luz e ingenuidade dos passeios no parque, quando o coração parecia que ia romper o peito e o nome da pessoa que amava ficava preso entre os lábios. Peça-me que fale sobre amores impossíveis pelos quais fazemos coisas impossíveis. Vou falar de sangue e criaturas que ardem com a luz do sol, falarei sobre uma historia que se desenvolve em silêncio rodeada de morte e escuridão, falarei de amantes que se comunicam em código Morse através das paredes e nas noites fogem em trens acompanhados de caixas. Falarei de um filme e de seu excelente final, que como um eco ainda ecoa em meu interior, quando a tela se torna negra e não sabemos se rimos ou choramos, vou falar de Oskar e Eli. Vou falar de “Deixe Ela Entrar”.
Não tenho adjetivos para catalogar tamanha jóia do cinema, um filme bárbaro, uma verdadeira maravilha, pausada, perturbadora, inquietante. Filme de qualidade como pouco se vê e quando começa a crer que esta ficando lento, vem o melhor. Não é um filme fácil de digerir e estou convencido que a maioria não vai gostar já que é lento em sua evolução e isso deixara para trás um bom numero de espectadores que não darão chance ao tempo que a história se desenvolva e perdera um dos finais mais soberbos do cinema.
Oskar é um jovem de Estocolmo que vive sob a pressão da mãe e de colegas do colégio, é um menino solitário e com uma família totalmente desestruturada. Vive em seu próprio mundo até conhecer numa noite Eli, uma jovem da mesma idade na qual se desenvolve uma estranha amizade, essa jovem guarda um segredo que não poderá ocultar durante muito tempo à seu novo amigo.

Os dois jovens protagonistas dão uma lição de interpretação em grau máximo. O garoto que interpreta Oskar é frágil como o personagem precisa, mas é a garota que nos oferece uma ótima interpretação que beira a perfeição, frágil, inquietante, perturbadora e dura.
O diretor revisita o mito do vampirismo de uma forma simples porém requintada, com cenas excelentes como a do vômito com doces, a mulher convertida e sobretudo na do convite a um vampiro para entrar na casa.

O filme marca um antes e depois desse tipo de filme, não sei se é um filme de vampiros, de horror ou romance, é complicado encontrar um gênero no qual se encaixe. A história é sólida, o roteiro absolutamente fabuloso, belíssima fotografia contrastando a cor branca do filme com o vermelho do sangue de maneira significativamente simbólico.

A homossexualidade e pedofilia nunca foi tratada com tanta sutileza.


Definitivamente é um filme 100% recomendável a todos aqueles que amam o cinema e sobretudo que não esperem vampiros voadores. Esse filme esta mais perto de “The addiction” de Abel Ferrara que qualquer outra obra de vampiros que já tenha visto.

Uma ode ao amor mais puro.

Nota 10

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Rio Congelado (Frozen River)

Depois de ver “Frozen River” minha primeira pergunta é ‘onde estava Courtney Hunt todo esse tempo?’ O primeiro longa dessa indiscutivelmente talentosa diretora não é apenas bom, realmente é magnífico, tem uma direção tão sóbria que merece um bom tratado sobre o porquê é tão brilhante.

O roteiro gira em torno de Ray Eddy (Melissa Leo) uma mulher branca que ‘sobrevive’ com seus dois filhos (logo após o abandono de seu esposo devido o vicio no jogo) em um povoado sem futuro no extremo norte do estado de Nova Iorque, perto de uma reserva mohawk ao lado da fronteira com o Canadá. As dúvidas e preocupações levam Ray à associar-se com Lilá (Misty Uphan) uma índia mohawk que foi despojada de seu bebê, para passar imigrantes orientais do Canadá ao Estados Unidos atravessando um rio congelado, o qual desencadeia não só um fino thriller alimentado pelo desespero da protagonista mas, também e principalmente, uma bonita história de humanismo e amizade.
>As atuações são simplesmente esplêndidas. Melissa Leo da vida a Ray Eddy com uma precisão esmagadora, é impossível imaginar outra atriz para esse papel, seus gestos são naturais e expressam com absoluta sinceridade a crueza de seu personagem. Apesar que Ray Eddy esta longe de ser uma mulher perfeita, a humanidade que Leo lhe proporciona faz que possamos nos identificar, como seres humanos, como sua situação, além disso, Leo nos brinda através de sua interpretação a energia dramática instintiva que veio desenvolvendo durante sua longa carreira como atriz, alguns momentos de humor inesperado. O trabalho de Courtney Hunt como diretora e roteirista do filme é bonito e refrescante, reparou em todos os detalhes para introduzir a um mundo cotidiano regido pela pobreza e falta de oportunidades no qual uma mulher, para poder alimentar seus filhos, deve submeter-se em uma jornada perigosa e humilhante. Hunt conseguiu realizar uma obra-prima que apresenta com originalidade, intensidade e honestidade a face pouco conhecida de seu país, desmistificando com perspicácia e inteligência o conceito do ‘sonho americano’ que cada vez esta mais pra ficção que realidade.“Frozen River” poderia ser um filme pequeno devido seu orçamento mas é grande em seu conteúdo e na medida que se configura como o testemunho de Courtney Hunt, um novo talento que promete muito no futuro.

Nominada ao Oscar 2009 por Melhor Roteiro e Melhor Atriz e ganhadora do Sundance como Melhor Filme.

Nota 10

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Dúvida (Doubt)

Um ano depois do assassinato de JFK, uma escola católica dos EUA se debate entre o tradicionalismo docente de sua diretora interpretada pela veterana e magistral Meryl Streep e pela modernidade do padre do colégio, personagem interpretado por Phillip Seymour Hoffman. Entre ambos temos de contra peso a Irmã James, uma jovem freira, professora do colégio, cujas dúvidas na hora de tomar partido de um ou outro lado será compartida com o espectador.Ganhadora dos prêmios Pulitzer e Tony, “Dúvida” é uma adaptação cinematográfica que John Patrick Shanley fez de sua própria obra teatral multi premiada. É um estupendo, inteligente e sutil filme, que agradeço nesses tempos de cinema mastigado para tontos. John Patrick Shanley aqui escreve, produz e dirige. Shanley, diretor do inconseqüente Joe Contra o Vulcão, se mostra muito mais sério e profundo que em seu debut cinematográfico, longe de conduzir seu novo filme pelo fácil caminho do maniqueísmo primário e visceral, mantendo até os créditos finais nossa incerteza sobre os verdadeiros sentimentos e motivações dos dois ‘concorrentes’. É a Irmã Aloysius uma má intencionada mulher interessada em desacreditar o Padre Brendan ou é a única que consegue ver as secretas e indecentes intenções que este tem sobre o aluno? Talvez deliberadamente, essa dúvida acabara eclipsando o debate educacional levantado minutos antes e confundirá a verdadeira intenção do filme, fazendo assim honra ao titulo do filme e se distanciando de outras produções como “The Priest” ou “The Magdalene Sisters” que unicamente pretendiam enfrentar a igreja católica.
Como não poderia ser de outra maneira “Dúvida”, transcorre por uns parâmetros bastante teatrais. Suas ações transcorrem em interiores e cenários limitados visualmente, encontra na dialética e nas participações seu grande estimulo.
Sem dúvida a severa interpretação de Streep e a apaziguada melancolia que quase sempre desprende Hoffman darão esses diálogos uma maior profundidade e carga dramática, sem embargo, não estamos diante de um mero exercício de teatro filmado. Shanley acompanha diálogos e interpretações com uma boa mistura de imagens simbólicas que de uma maneira bela e constante subtrai muitos dos sentimentos dos personagens, confirmando que é um diretor conhecedor do meio e não como um prestigioso autor que se situa atrás de uma câmera para adaptar-se a si mesmo.

Amy Adams volta pra provar que veio pra ficar e Viola Davis em apenas seis minutos cria um personagem completo.

Nota 10

domingo, 1 de fevereiro de 2009

O Menino do Pijama Listrado (The Boy in the Striped Pyjama)s



Adaptar um filme de uma novela convertida recentemente em um best-seller e que milhares de pessoas leram é uma tarefa difícil. Como disse Mark Herman, nessa ocasião se tratou de melhorar o filme que todos os leitores havia feito na mente. A historia é profundamente aterradora porque nos faz intuir o horror através da inocência de olhos alheios ao mal.

O livro de John Boyne me decepcionou em sua maior parte, mas a adaptação ao cine é mais brilhante, vibrante e verdadeira e supera em todos aspectos seu referente literário. Em primeiro lugar a ambientação elegante e sóbria. A narração é elétrica e vai crescendo sempre e o diretor dirige com mão firme todos os aspectos da historia que poderia ter cometido vários erros e que sem embargo da uma lição de como fazer uma adaptação cinematográfica que melhora em todos os aspectos o original literário.

No filme não existe alguns elementos do livro, como o Furer, pra não tirar a importância do verdadeiro eixo da historia: o horror oculto, camuflado, latente frente a aprazível vida de um comandante nazista e sua família. A principal critica do filme não é o genocídio nazismo em si, a verdadeira crítica é de um dos poderes mais malignos que existe no universo, a indiferença.

Justo do outro lado da indiferença esta a curiosidade, a vontade de aprender, de ser consciente da realidade, de explorar o mundo, de estender uma mão e ver que através dos arames tem outra para aperta-la, de ser corajoso e sobre tudo e frente tudo, descobrir que aquele que nos olha com olhos diferentes ao nossos pode ser nosso melhor amigo, Dando uma lição de amor, inocência e fraternidade aos adultos, as crianças protagonistas dessa bela lição de moral entram na escuridão com a maravilhosa luz da amizade.

Nota 9

O Leitor (The Reader)



“O Leitor” não é uma historia sobre amor impossível entre um adolescente e uma mulher madura, também não é um drama judicial com o nazismo como pano de fundo, é muito mais, é uma perfeita metáfora sobre o doloroso e ambíguo sentimento que da sociedade alemã frente ao seu passado nazista. Michel, o protagonista do filme não só é um jovem doente socorrido por uma atraente mulher, como representa a enferma sociedade alemã pós-guerra. Por sua parte, Hanna não só é a ignorante e maternal mulher que seduz Michael, ela representa a promissora pátria nazista, a pátria mãe.

Depois do idílio vem à crua realidade, o que essa mulher foi capaz de fazer?
Michael como a sociedade alemã ante à contemplação dos campos de extermínio esta confuso: como essa atrativa, bondosa e complacente mulher que lhe seduziu e ajudou quando mais necessitava foi capaz de cometer semelhante crime? A reposta somente pode ser uma, por trás do choro desconsolado e a decepção, somente fica a autocrítica e o peso do passado.

Diante tudo isso esta Stephen Daldry para demonstrar porque ganhou o respeito tanto da critica como do publico. Com “Billy Eliot” emocionou, com “As Horas” mostrou seus dotes dramáticos e como “O Leitor” esta pronto para agitar consciências. O filme se divide em duas partes claramente diferenciadas. Tanto que até que chegue o final custa crer que formem parte do mesmo discurso. A primeira metade nos apresenta a relação amorosa dos protagonistas, gosto das primeiras cenas como a historia contada em flashback, com cenas cheia de sensualidade e um ar fino e intrigante, as vezes cai o ritmo, mas por sorte temos Kate Winslet, que enche a tela todo o tempo.

Na segunda metade ela já não aparece tanto, mas é quando o filme da o sentido e é aqui que muitos filmes fracassariam estrepitosamente. Mas “O Leitor” cresce ante a adversidade e consegue construir a metáfora num tema extremamente complicado para tratar com tamanha delicadeza.

A aparente simplicidade do filme é uma excelente arma de combate e da liberdade do autor para desenvolver com total liberdade um sólido discurso que fala do amor, da culpa, da memória e da responsabilidade histórica.

O que realmente nos traumatiza costuma ser algo que levamos enraizado no mais profundo da alma. Ainda que às vezes lembremos do ocorrido sempre tampamos com um véu espesso e pensar em contar para alguém transforma tudo em utopia. Acostumamos esconder nossos traumas e inseguranças de tal forma que nem os mais próximos são capazes de saber. Possivelmente com o tempo e dependendo do trauma percebemos que algo esta errado, mas a própria pessoa se encarregara que isso não se supere, nunca seja descoberto com certeza. Essa mesma pessoa enfrentara situações e problemas piores, vistos objetivamente, porem sem conseguir essa intimidade que alcança com pequenos traumas que leva consigo grande parte de sua vida, podendo provocar que cometam outros erros que não seja tão grave para não admitir o primeiro problema.. É como um segredo de amigos, mas dentro de si, que em vez de alimentar a confiança em ambos, alimenta a frustração da pessoa impedindo dar passos necessários para corrigir-los, se é que fosse possível. O que esta claro é que não admitira nunca e o dia que o faça já o tenha superado.

Com tudo isso Daldry nos brinda com um produto inteligente que nos faz pensar, que mantém distância de tendências maniqueístas e que oferece uma infinidade de leitura.

Nota 10